DO QUARTO DE DESPESJO À SALA DE VISITAS
O TESTEMUNHO DO SUJEITO DESLOCADO NOS DIÁRIOS DE CAROLINA MARIA DE JESUS
Palavras-chave:
Testemunho literário, Sujeito deslocado, Carolina Maria de Jesus, Literary testimony, Displaced subjectResumo
Este estudo pretende discutir sobre o teor testemunhal e as experiências do deslocamento do sujeito nas obras Quarto de despejo (1960) e Casa de alvenaria (1961) da escritora Carolina Maria de Jesus. O propósito deste trabalho é de apresentar a relação do não pertencimento da escritora ao ambiente da favela a qual foi inserida, no sentido de refletir sobre o que esse (lugar), resultante de um processo migratório forçado, representou para a autora. A presente pesquisa propôs a analisar e discutir sobre a denúncia da escritora quanto às questões de desigualdades e exclusão social que foram evidenciados em seus diários, durante o seu período de vivência no espaço da favela do Canindé na cidade de São Paulo, durante as décadas de (1950 a 1960). Outro ponto deste estudo é de discutir acerca do sentimento de estranhamento da autora ao se deslocar para a casa de alvenaria em um bairro nobre da cidade de São Paulo, o que a leva conhecer e frequentar outros ambientes, dos quais são territórios demarcados pela classe média alta e branca. Para atingir os objetivos propostos, partimos dos estudos e análises dos recortes de (1955 a 1961) segundo o sentimento de deslocamento da escritora-personagem. Para tanto, nos referenciamos nos pressupostos teóricos dos pesquisadores Anselmo Peres Alós (2009), Seligmann-Silva (2003), Stuart Hall (2015) e dentre outros estudiosos.
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Referências
Ao concluirmos este estudo, observamos que as duas obras em formato de diários de Carolina Maria de Jesus traçam sua trajetória de vida, que começa na favela do Canindé, por volta de 1955, e segue até seu deslocamento para a casa de alvenaria em 1961. Nesse contexto, os relatos da autora, iniciados em Quarto de Despejo (1960) e continuados em Casa de Alvenaria (1961), apresentam suas experiências de quem vivia em situação de vulnerabilidade e exclusão social.
Nessas obras, a autora tece relatos de um cotidiano permeado pela fome, pelo preconceito racial, pela negação de direitos e da ausência de ações políticas. A sua escrita ao mesmo tempo em que abordava sobre o dia a dia dos moradores da favela do Canindé, também denunciava o problema de desigualdade social e da precária situação de quem convivia nas favelas urbanas no Brasil.
Em sua segunda obra, Casa de Alvenaria (1961), Carolina registra sua nova rotina como escritora. No entanto, ela se vê atravessada pela relação de superioridade e poder exercida pela alta sociedade branca que frequenta o novo ambiente.
Dessa maneira, as duas obras de Carolina Maria de Jesus, nos remetem a dois lugares diferentes e demarcados por problemas sociais distintos. Enquanto que “O Quarto de despejo” nos apresenta um ambiente de hostilidade, pobreza e violência. “Casa de alvenaria” representa um espaço de estabilidade social, mas, inserido em um contexto permeado pela exclusão e discriminação racial.
Dessa forma, constatamos que o testemunho presente nas obras Quarto de Despejo e Casa de Alvenaria (1955-1961) se revela na narração da exclusão social, da precária situação vivenciada pelos moradores da favela e das questões de classe e raça. Carolina Maria de Jesus realiza o sonho de "residir em uma casa de alvenaria", mas se frustra ao perceber que está inserida em uma sociedade marcada pelo racismo e pelo preconceito. Além disso, ela percebe que está em um ambiente estranho e deslocado, por não fazer parte da sociedade da "sala de visitas".
REFERÊNCIAS
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